Brazil Braces for a (Bogus) Soccer Milestone
Dica do Lima, que eu não visitava há um tempo.
Go, aussie.
Música. Cinema. HQs. Esportes. E a minha vida.
Morte de Barbon mostra promiscuidade entre política e imprensa
No início da noite de terça-feira (09/05), os bares e lanchonetes de Porto Ferreira – cidade distante 230 km de São Paulo, próximo a Pirassununga e São Carlos –, apesar de cheios, eram marcados pelo silêncio. A população prestava atenção ao destaque no telejornal regional: o assassinato de Luiz Carlos Barbon Filho, no sábado anterior. Após o VT, todas as conversas giraram em torno do morto, seja em tom de lamentação, seja em tom jocoso.
A cena é um dos últimos atos da vida de um personagem que, mais do que qualquer outra coisa, queria ser o centro das atenções. Barbon foi alvejado por dois tiros de espingarda calibre 12, no Bar das Garças, na praça em frente à rodoviária de Porto Ferreira, por volta das 21h. O primeiro tiro atravessou seu abdômen da esquerda para direita, embaixo da axila. O segundo pegou na perna, quando a vítima tentava fugir. Barbon foi levado com vida ao Pronto Socorro Municipal, mas nem os médicos que o receberam acreditavam que pudesse sobreviver. Foi dado como morto à 1h30.
Seus assassinos chegaram ao local em uma motocicleta que veio na contramão. Trajavam roupas e capacetes pretos – e não capuzes, como informado anteriormente. O atirador desceu calmamente da moto, deu os dois tiros e voltou, caminhando. Alcides Catarino, que estava na mesa de Barbon, foi atingido por estilhaços, mas não sofreu ferimentos graves. Na mesma noite, um jovem pintor foi atingido por uma bala de calibre semelhante em um bairro afastado da cidade, mas conseguiu sobreviver.
Mais de 20 pessoas estavam no bar, e várias outras estavam em estabelecimentos ao redor da praça, mas poucos se lembrando – ou dizem se lembrar – do que aconteceu.
A vítima
Barbon, que tinha 37 anos, era jornalista há mais de dez. Ou dizia que era. Ele não tinha o ensino fundamental – o antigo 1º Grau – nem registro profissional. Começou a trabalhar na imprensa na área de distribuição de jornais da região, passando depois para contato comercial – atividade que continuou praticando paralelamente às reportagens. Também foi caseiro do terreno onde se localiza a torre de transmissão de uma rádio local.
Ainda assim, foi indicado ao prêmio Esso em 2004 na categoria Especial Interior com uma reportagem que levou a condenação por aliciamento de menores de cinco vereadores de Porto Ferreira, além de três empresários e um funcionário público, no ano anterior. Barbon publicou em um jornal de sua propriedade, o Realidade, a lista com todos os envolvidos no crime, com um dos nomes bloqueados com uma tarja preta, e uma entrevista com o delegado responsável pelo caso, Maurício Sponton Rasi, atual prefeito de Porto Ferreira, eleito pelo PT.
Em 2004, o Realidade foi fechado por dificuldades financeiras e Barbon passou a colaborar desde então com a Rádio Porto – de propriedade do ex-prefeito André Braga, do PSDB – e com o Jornal do Porto e o JC Comercial, sem receber. Ele dava longas entrevistas para a rádio quando tinha material e publicava artigos no jornal semanal, alguns em espaço comprado. Ao mesmo tempo, vendia anúncios para os dois veículos.
Os métodos de Barbon
“Como homem público e como cristão, eu lamento a morte violenta que ele teve, mas o Barbon anunciava que ia achincalhar uma pessoa, então ia lá e cobrava para não acusar. Ele ia atrás da grana. Não tinha emprego fixo”, aponta o vereador Gilson Strozzi (sem partido). “E uma coisa que poucos estão lembrando agora: Barbon foi candidato a vereador em 2004, usando politicamente as denúncias que fez. Conseguiu 80 votos”.
Strozzi conhecia bem o morto: segundo várias fontes na cidade, o vereador teria financiado o Realidade, até que uma divergência o separou de Barbon.
O prefeito Sponton Rasi é sucinto: “Lamento a morte dele, que vivia de extorsão e jogos políticos”, disse ao Estado de S. Paulo.
“Ele era um bom amigo. Tinha valores e não se vendia”, contrapõe Luiz Fernando Sartori, um dos últimos a vê-lo vivo. “Como é que alguém anda com uma 12 por aí e ninguém vê?”, questiona.
“O problema dele não era com a atual administração municipal, mas com qualquer um que usasse mal o dinheiro público”, aponta o radialista J. Reis, da Rádio Porto. A postura é endossada pelo próprio Barbon: “André Braga [ex-prefeito e proprietário da rádio] sofreu na minha mão no Realidade. Extrapolei com os outros, mas com o atual prefeito eu faço o justo”, afirmou em sua última entrevista, que foi ao ar no dia 19/04, onde também disse que a população de Porto Ferreira podia contar com “Deus no céu e eu, Barbon, na Terra”.
Na mesma entrevista, Barbon diz que 19 pessoas ligadas direta ou indiretamente ao prefeito foram aprovadas em um concurso público da prefeitura. Ele chegou a afirmar depois que, se algo acontecesse com ele, seria devido a esta entrevista.
De um personagem tão polêmico, somente outro consenso foi ouvido: a impunidade. “Do jeito que é Porto Ferreira, vão pegar um zé mané qualquer e dizer que o crime foi motivado por mulher”, diz um morador. O caso ganhou atenção nacional com a prisão dos vereadores, mas as relações promíscuas entre os políticos de Porto Ferreira e a imprensa em nada diferem de outras cidades do interior do Brasil.
"Ele colecionava inimigos no governo, na polícia, entre empresários"
Há pouco consenso sobre Luiz Carlos Barbon Filho. O fato é que ninguém se arrisca em palpitar sobre a identidade dos assassinos e seus mandantes. “Ele colecionava inimigos no governo, na polícia, entre empresários... Não dá pra saber quem matou”, afirma Carlos Augusto Colussi, diretor do Jornal do Porto. “Tinha muitos inimigos, inclusive na polícia”, diz o vereador Gilson Roberto Strozzi (sem partido).
Recentemente, Barbon voltou ao caso dos vereadores, que lhe valera notoriedade em 2003. Segundo uma entrevista levada ao ar na Rádio Porto em 16/04, o pai de duas meninas o procurou dizendo que o depoimento dado na época foi corrompido (você pode ouvir aqui a entrevista). Ele reclama do tratamento dispensando a elas, que “não tiveram apoio nem ajuda do [então] delegado [o atual prefeito]”. Barbon endossa a fala do pai, afirmando que os vereadores que foram presos “não precisavam passar por essa injustiça”.
“Nós vínhamos conversando semanalmente. Ele queria rever as matérias publicadas em 2003”, relata Luiz César Lanzoni, vereador pelo PTB condenado inicialmente a 45 anos de prisão no caso, mas que teve a pena reduzida na segunda instância para dez anos. Mesmo cumprindo pena, Lanzoni teve a terceira maior votação da cidade em 2004. Libertado em 2006, assumiu uma das dez cadeiras da Câmara dos Vereadores. “Meu caso está no STF [Supremo Tribunal Federal]. Quando tiver a decisão final da justiça, conto a verdadeira história”, prevê.
No entanto, Lanzoni diz que, com a morte de Barbon, o caso dos vereadores está sendo levantado novamente para desviar a atenção. “Existe parte da mídia, que chamo de indústria semicultural da difamação e da calúnia, que insiste nisso. O processo que sofri é tendencioso, kafkaniano. Ninguém conseguiu localizar as meninas. Será que eles têm medo que elas contem a verdade? Paguei por algo que não fiz. Mas acredito na justiça”, diz o vereador.
“Ele estava com algo grande, mas não pôde me falar o que era”, conta Sartori, um amigo de Barbon. “Ele saiu daqui da minha lanchonete e foi para o Bar das Garças. Estranho que ele não costumava ir lá. Saiu dessa mesma cadeira aqui, que agora está vazia”, afirma, mostrando o assento. “Ele disse que não ia contar nada seguindo orientação do promotor”.
Dias antes de morrer, Barbon procurou o Ministério Público
O promotor público de Porto Ferreira, Fábio José Moreira dos Santos, acatou uma denúncia de Barbon há 15 dias contra um superfaturamento na compra de um caminhão de lixo pela prefeitura. “Depois, só o vi quando recebeu a notificação sobre a denúncia ter sido acatada, uma semana antes de morrer. Só falamos sobre esse assunto”, informa o promotor.
A viúva de Luiz Carlos Barbon, Cátia Rosa Camargo, não deu entrevistas seguindo orientação da polícia. Ela depôs sobre o assassinato na terça-feira (08/04), quando também entregou às autoridades um envelope com documentos. “Há mais documentos, mas o Barbon não os mostrava nem os guardava em casa. Estamos procurando”, afirma o advogado de Cátia, Ricardo Ramos.
Ramos disse que a vítima sofria ameaças, mas que não se sentia ameaçado nem chegou a fazer boletim de ocorrência. “Todos nós corremos riscos”, frisou, sobre as ameaças, completando que todas as hipóteses estão sendo consideradas pela polícia, incluindo crime político. O delegado responsável pelo caso, Eduardo Henrique Campos, não quis dar entrevista.