sábado, 14 de janeiro de 2006

Um Sepultura cada vez mais pop

A mais conhecida banda de metal do país ainda se encaixa no gênero?

No próximo final de semana, os Paralamas do Sucesso são a atração do Oi Noites Carioca, a nova versão do festival de shows no Morro da Urca, Rio de Janeiro, um sucesso na década de 1980. O objetivo dos realizadores é atrair parte do público da época, que agora cresceu, ganhou dinheiro, e pode se dar ao luxo de pagar mais para ter mais conforto. A escolha dos Paralamas coaduna com essa idéia. Mas o convidado especial, a principio, destoa: Andréas Kisser, guitarrista do Sepultura.

Só destoa a princípio. Quem acompanha a carreira da banda brasileira mais famosa do mundo já pôde perceber uma “guinada pop” mas direções do Sepultura. Pop talvez seja exagero. Mas, fora do nicho do heavy metal, eles já estão.

Alguns momentos podem ser pontuados nessa transição. E o primeiro deles completa 10 anos agora. Roots
colocou a banda nas paradas de rádios e clipes, e é seu disco mais vendido até hoje. O segredo do sucesso veio de algumas iniciativas ousadas. O Sepultura largou alguns cânones do gênero. Assumindo o apelido “jungle boys” – garotos da selva – dado pela mídia lá fora, forma passar um tempo com índios no Xingu, encheram o álbum de percussão brasileira e, suprema heresia, chamaram Carlinhos Brown para produzir e participar de algumas faixas.

O segundo instante se foca mais na estrutura da banda do que na concepção musical: a saída de Max Cavalera. Não que sua voz gutural não fosse palatável – Roots já derrubara essa tese – mas o vocalista original sempre deu preferência aos Estados Unidos, por questões comerciais e pessoais. Tanto que seu Soulfly só deu as caras por aqui uma vez e é um grupo pouco conhecido no Brasil.

Meses após a saída de Max, os outros integrantes voltaram a morar em São Paulo – o que facilita muito a aproximação com o cenário pop nacional. Nem a entrada de um integrante gringo, o vocalista Derrick Green, atrapalhou. Até porque Green já fala português, virou palmeirense e inclusive já participou de programa humorístico da Globo.

Mesmo mantendo a base de fãs, os álbuns seguintes – Against, Nation e Roorback não alcançaram o mesmo êxito comercial que Roots. A banda continua excursionando fora do país, mas com bem menos intensidade. Em contrapartida, o número de shows no Brasil aumentou bastante, e o Sepultura passou a freqüentar festivais marcadamente ecléticos, como o Planeta Atlântida, realizado no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, e o Festival de Verão de Salvador, na Bahia.

No som, outras influências ficavam cada vez mais evidentes. Green fez escola no hardcore, seu gênero preferido, e trouxe isso para o Sepultura. Revolusongs, EP lançado em 2002, traz um mix de covers bem variados, incluindo de Jane’s Addiction a Massive Attack. Bullet the blue sky, quase uma desconstrução da música do U2, teve belo clipe gravado nas ruas de São Paulo e que conseguiu uma boa presença na MTV. A emissora sempre foi bastante generosa com a banda, dando-os um bom espaço na programação. Além dos covers, o Sepultura também gravou músicas em parceira com O Rappa e Zé Remalho.

Por fim, no ano retrasado, os fãs do Sepultura deram a maior torcida de nariz desde Carlinhos Brown: Júnior, o irmão de Sandy, participou de uma jam session com Andréas. Na época, Andréas contou que seus filhos são fãs da dupla, e que já foram em shows. “Mas quem levou foi minha mulher. Escapei desta”.

A nova prova para os rumos do Sepultura já tem data: em março, chega às lojas Dante XXI, 11º álbum de inéditas. Se será pop, se terá êxito, saberemos depois. Mas o posto de banda brasileira mais importante do metal não parece ameaçado. Mesmo que eles tentem mudar.

Publicado originalmente no Almanaque Virtual em 13/01/06.

Este texto surgiu de papos aleatórios com Rodrigo Simas, o Pingüim. Foi quem me sinalizou primeiro essa mudança no Sepultura, que - espero que tenha ficado implícito no texto - considero positiva. A idéia original era passar a idéia para queo dito cujo fizesse o texto, mas considerações começaram a surgir na minha cabeça, e como a coluna do Almanaque estava atrasada... Janeiro é um deserto; pouca coisa acontece; temos que inventar. Mas, apesar d'eu achar que o texto poderia ter ficado melhor, gostei dele.

Ah, o fato do Roots está completando dez anos só foi percebido no meio da pesquisa . Também no meio da pesquisa esbarrei com o artigo De Mílton ao Metal: política e música em Minas (em PDF), de Idelber Avelar, apresentado no V Congresso Latinoamericano da Associação para o Estudo da Música Popular. Há alguma coisa forçada na tese, mas o autor fez uma boa pesquisa e uma boa análise dos objetos.

não deixa de ser maneiro ler uma artigo acadêmico que tenha o termo "pancadaria".

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