Talvez Jack Sparrow seja um antepassado mais afetado de Corto Maltese. Uma característica comum une os dois piratas – se Corto não é um pirata ao pé da letra, é pelo espírito livre –: são falsos bad boys. Os dois botam banca de só se interessar por moedas de ouros ou que colocam o bolso à frente da moral. Mas quando a coisa aperta, revelam-se bons heróis. Típicos cordeiros em pele de lobos.
O maltês faz isso diversas vezes ao longo de Sob o signo de Capricórnio, sua segunda aventura lançada pela Pixel Media. E que traz um grande atrativo para nós: boa parte da trama se passa no litoral baiano, reminiscência da temporada de Hugo Pratt no Brasil. Hora de colocar à prova a tal fidelidade que o italiano retrata os cenários.
A resposta é inconclusiva. Ao mesmo tempo em que Pratt reproduz igrejas barrocas e trajes de cangaceiros com fidelidade, mistura elementos astecas e do tarô no candomblé. Mas vamos confiar no artista e em sua licença poética – e dá especial prazer uma história em quadrinhos que se passa no Rio São Francisco e na Praia de Itapoã, com participação do cangaceiro Corisco. Corto, inclusive, arrisca uns golpes de capoeira.
Salvador só aparece mais à frente no álbum. A história começa na antiga Guiana Holandesa (o atual Suriname), onde o marinheiro conhece o ébrio professor Jeremiah Steiner e jovem inglês Tristan Baltan, que o acompanham por todo o álbum – e ainda aparecerão no próximo, Sempre um Pouco Mais Distante. Tristan tem uma meia-irmã na Bahia, Morgana, que lhe envia estranhas mensagens telepáticas sobre um tesouro, o que faz com que a trupe aporte na terrinha.
O álbum é dividido em seis episódios, com uma trama que une todos, mas cada um com sua sub-trama fechada. Todas as partes seguem uma estrutura comum, salvo a última: Corto já surge com sua memória afetada, por razões que só serão conhecidas no álbum seguinte.
A versão nacional de Sob o Signo de Capricórnio tem dois grandes extras: um testemunho do pesquisador Álvaro de Moya sobre seus encontros com Hugo Pratt, e uma galeria com visões de Corto por desenhistas brasileiros: algumas mais fiéis como as de Moon & Bá e Marcelo Campos; outras, mais inusitadas como as de Lourenço Mutarelli e João Pimenta. E umas bem irônicas, como a de Laerte. A impressão das letras nos balões parece um pouco “pixalarizada”, mas nada que atrapalhe.
Pratt apresenta personagens de toda a sorte, como a descendente de pirata Ambigüidade de Poincy e o suposto clã de criminosos Lokäarth – além do velho conhecido Rasputin. Mas usa a misteriosa baiana Boca de Ouro e a história que descamba a partir de sua entrada na trama para tratar de um assunto espinhoso: a dominação de um ser humano sobre outro, seja por colonialismo, seja por coronelismo. E, de quebra, mostra a verdadeira índole de Corto, por mais que a sua personalidade irascível tente esconder. ¤
Corto Maltese - Sob o signo de Capricórnio tem 144 páginas e custa R$ 33,00.
Publicado no Sobrecarga em 04/08/06.
Já tem outro álbum nas bancas. Assim eu não aguento...
domingo, 6 de agosto de 2006
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