sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

E o balde voa longe


Os Produtores é um dos filmes mais grosseiros e sem noção do ano. E, exatamente por isso, um dos mais divertidos.

O tipo de coisas que dá esperança à terra do politicamente correto chamada Estados Unidos da América – mais exatamente, Hollywood. A refilmagem da obra de 1968 de Mel Brooks, produzida e roteirizada pelo próprio, desce muito bem numa época tão chata e “Noviça Rebelde” como o Natal. Isso, claro, se você comprar o que o filme propõe.

Os produtores do título são Leopold Bloom, encarnado em Mathew Broderick, e Max Bialystock, vivido por Nathan Lane. Alias, nem tanto. Ser um produtor da Broadway é o sonho do contador Bloom, o que acaba tornando-se realidade pela mente sórdida de Max. Ele planeja dar um golpe e fugir com o dinheiro do seguro após produzir o maior fracasso da história dos musicais, e acaba envolvendo Bloom. Para chegar aos seus fins, busca a pior peça de todos os tempos: Primavera para Hitler, a versão cantante e dançante da ascensão do Führer na Alemanha Nazista.

Broderick é um picareta. Canta, dança e atua mal. Logo, dá certo. Lane entende mais do riscado, e segura as pontas. Os dois participaram da versão teatral da Broadway, e já chegaram escolados, bem como boa parte do elenco. Das novas adições, Will Ferrell está exagerado como sempre, no papel do compositor neonazista Franz Liebkind. A seqüência em que entra em cena chega quase a incomodar. Mas, no andamento do filme, seu exagero acaba suprimido. E, para alegria dos meninos e inveja das meninas, Uma Thurman arrasa como Ulla, a sueca gostosa – “Deus salve a Suécia”. Excelente atriz, Uma não deve nada a ninguém, e pode se dar ao luxo de ser um bibelô, só dançando e cantando graciosamente pela tela.

Como se Nazismo não bastasse, Os Produtores cutuca ainda outros vespeiros. A seqüência em que Max e Bloom vão convocar diretor e equipe em um requintado loft no Upper East Side – leia-se, um antro gay – beira o surreal de tão divertido, com direito a ponta de um dos Fab Five de Queer Eye for the Straight Guy. Os mundinhos do cinema e teatro também tomam diversas alfinetadas. E sobra até para a visão estereotipada da América Latina, com um Rio de Janeiro cheio de muchachos carambas dançando mambo.

Mas o ponto alto é mesmo a apresentação de Primavera para Hitler. A diretora Susan Stroman pode até ser estreante na função, mas já participou como coreógrafa de diversos musicais – ninguém que já tenha dançado com Liza Minelli sai impune – e reproduziu exatamente tudo o que aprendeu. Os planos e enquadramentos são feitos à imagem e semelhança dos musicais da década de 1950, e funcionam muito bem. Inclui o plano superior com os dançarinos formando um símbolo – adivinhem qual?

Para aqueles que gostam de discutir quais os limites do humor, III Reich e Holocausto são bons tabus. E Os Produtores pode soar extremamente ofensivo. Mas, pensando que o filme foi escrito por um representante de um dos povos que mais sofreu na II Guerra – Mel Brooks é judeu –, pode-se divagar que uma das funções do humor é, justamente, ajudar na superação de grandes traumas.

E não saia da sala antes dos créditos acabarem.

Publicado originalmente no Sobrecarga em 22/12/05


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