Se o mundo fosse um lugar justo, Bryan Talbot teria sido integrante do Monty Python. A filiação ideológica/humorística ao grupo fica evidente na falsa autobiografia que Talbot encaixou em Coração do Império, ou O Legado de Luther Arkwright, lançado pela Pixel Media. Não faltam batalhas imaginárias como oficial do Império Britânico pela libertação de Minas Gerais (alusão à participação de Talbot na Bienal de Quadrinhos de Belo Horizonte, em 1997) e repúdio público às suas obras.
Porém, se Talbot tivesse sido mesmo do Monty Python, seria mais identificado com Terry Gillian, que após a fase de piadista, debandou para uma carreira mais, digamos, séria como diretor de cinema. Coração do Império tem bastante humor, mas tem principalmente uma luta por poder político embaralhada numa bela ficção steampunk - a versão vitoriana para o cyberpunk.
A história mostra um Império Britânico para o qual o sol nunca realmente se pôs. Isto levou a uma Londres gigantesca e psicodélica em art nouveau, todas as colônias tradicionais – e outras novas, como o Japão – ainda sob o jugo inglês e uma rainha que eleva a definição de despótica para outros patamares. E, se tratando de imenso poder, há sempre alguém querendo subjugá-lo. Talbot reserva esta missão ao Vaticano.
O Coração do Império é a continuação de As Aventuras de Luther Arkwright, maxissérie em que Talbot trabalhou espaçadamente desde 1976, e foi publicada aqui em dois volumes pela Via Lettera. Muito dela ecoa em Coração do Império, mas sua leitura não é imprescindível para compreensão da nova saga. Fora da grande trama política, mostra a filha de Luther, a Princesa Victoria, tentando se entender com o pai falecido e os estranhos poderes que começa a desenvolver. Traz também muitos outros personagens interessantes nas sub-tramas, como os jornalistas das colônias americanas e os demais integrantes da corte – incluindo Kenneth Baker, o intérprete do R2D2 em Guerra nas Estrelas.
Talbot sabe chocar, até meio que gratuitamente. Logo na abertura, demole um dogma católico. Também inclui Lady Diana Spencer na história, como uma louca enclausurada em um hospício nojento – e bem antes da ameaça sem graça de Peter Milligan em X-Táticos. Mas Talbot também sabe desenhar. Seu traço limpo tem um quê de Steve Dillon, um pouco mais relaxado. E, diferentemente de muitos, ele conhece os lugares que desenha. Mostra exatidão nos detalhes de Roma, até na distância entre os prédios. E sua Londres, por mais fantasiosa que seja, é construída sobre bases reais. Dá para identificar. O ápice das duas características é a seqüência de sexo, em que ele transforma quatro relações distintas em um bacanal – incluindo duas singelas estátuas de anjinhos.
A história avança de forma lenta, talvez devido ao grande número de personagens, mas entretém. Bryan Talbot – que tem um Prêmio Eisner na estante por The Tale of One Bad Rat – deu muito trabalho aos editores pelas diversas referências que usa: o álbum conta 55 notas de rodapé. A primeira parte é encerrada de forma subida, mas, de qualquer forma, o segundo volume já está nas bancas.
Coração do Império ou o Legado de Luther Arkwright. Volume I tem 164 páginas coloridas e custa R$ 33.
Publicado originalmente no Sobrecarga em 26/06/06.
Fazia um bom tempo que eu não publicava uma resenha. Motivo um: Copa do Mundo. Queria ter uma desculpa melhor, mas é isso. Motivo dois: precisava ler um livro. Estava lendo muita HQ direto, cansei da linguagem (e o nível do texto cai). Estou terminando O Espião que veio do Frio, do John Le Carré. Comentários em breve.
quarta-feira, 28 de junho de 2006
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