Alejandro González Iñárritu estava atrasado. Mas só para a entrevista coletiva, devido a um problema na conexão de seu vôo. O cinema de Iñárritu é um dos mais urgentes e pontuais feitos hoje nos Estados Unidos – ou melhor, no mundo, já que o mexicano diz que sua obra não tem nacionalidade. E Babel, seu último filme, passa por três continentes diferentes para sustentar a tese.
O realizador faz um cinema múltiplo, que embola questões políticas com problemas pessoais. Fragmentado como a vida insiste em ser. Na entrevista abaixo, ele fala de sua obra, de como é ser um mexicano nos EUA e sobre Babel, que está sendo exibido no Festival do Rio. Quem não passar pelo Rio (ou não conseguiu ingresso, já que todas as sessões do filmeestão esgotadas) terá que ser paciente: a data de estréia é 19 de janeiro.
Como nasceu Babel?
A idéia surgiu há uns três anos e meio, meses antes de fazer 21 Gramas. Comecei a pensar em um filme com cinco línguas diferentes, que se passasse em cinco continentes, e que continuasse abordando essa teoria que um pequeno ato em um lado do mundo pode gerar uma tsunami no outro. Fechar em escala global o que já tinha sido tratado em Amores Brutos e 21 Gramas. E também havia uma necessidade pessoal, uma necessidade de me expressar globalmente após ir morar nos Estados Unidos.
O filme se passa no Japão, Marrocos, México e Estados Unidos. Por que estes países?
Originalmente, seriam cinco países em cinco continentes diferentes. Mas achamos que um malabarismo com cinco laranjas seria mais difícil. Na primeira versão do roteiro, o filme começaria na Tunísia. Mas visitei o Marrocos quando tinha 19 anos. Foi um impacto muito grande, tinha que usar aquilo. Também achei que era importante abordar a fronteira entre México e Estados Unidos, propor personagens e questões. E o Japão era um mistério, desde a primeira vez que fui lá. Tinha que me aproximar. Há uma simetria entre os países, dois do primeiro mundo e dois do terceiro. E também entre os personagens. Alguns tentam sobreviver além das fronteiras de seus países e outros sobreviver em seus países.
Como foi filmar em vários países e idiomas diferentes?
Eu adoro a possibilidade de falhas. Se não há risco, não me excita. Babel podia falhar sempre, não só na questão da linguagem, mas poderia virar um filme sem harmonia. Era fundamental a sensação de um todo no filme, e não de quatro curtas.
E a escolha dos atores?
Dezessete dias antes das filmagens, eu só tinha Cate Blanchett e Brad Pitt. Nas seqüências do Marrocos, decidi que ia procurar 90% do elenco necessário por lá. Era um desafio, mas que também daria uma maior pessoalidade ao filme. Cate Blachett é uma das melhores atrizes do mundo. E Brad Pitt representou um risco. Não é um papel óbvio para ele. Quis fazer as pessoas esquecerem que ali está o astro Brad Pitt, torná-lo um ser humano comum.
E como foi o trabalho com atores e não-atores?
Sempre é difícil. Com atores, conto a idéia e o conceito do filme e tentamos achar algo comum. Estive com Naomi Watts várias vezes antes de ter fechado o roteiro de 21 Gramas. Em Babel, foi mais complicado porque os atores só sabiam sobre as suas partes no filme. Alguns deles só foram se conhecer no Festival de Cannes. Com os não-atores, tento simplificar, buscar experiências pessoas. A emoção funciona como um rio, e as palavras são como barquinhos flutuando neste rio. Basta projetar isto para o filme.
Babel traz umas quebras na narrativa e no tempo, como seus dois longas anteriores. Isso é uma marca sua ou só desta trilogia?
Cada história encontra uma maneira de ser contada. Meu pai, por exemplo, começa uma história pelo meio, depois avança um pouco para o fim, conta um pouco do começo. E assim vai. Minha principal influência na forma de contar história é a literatura latino-americana – Julio Cortázar, Ernesto Sábato – que utilizam quebras. Babel é meu filme mais linear. Mas nem tudo pode ser contado assim.
O senhor já disse que foi influenciado por William Faulkner. E no cinema, quais foram suas influências?
Acho que Rashômon (1950), do Akira Kurosawa, é o primeiro filme a ter uma estrutura quebrada. Mas não sei há uma influência específica. Cinema é uma experiência emocional fragmentada. Nosso cérebro preenche a informação necessária entre as cenas. É algo único, que só o cinema tem. Estamos sempre construindo e reconstruindo nossa vida com os fragmentos. Meu jeito de narrar é natural. Tenho uma tia que conta as histórias sempre de forma linear e fica um saco. Estão desaparecendo as formas rígidas e tradicionais de narrativa no cinema – e na literatura também.
Como foi sua transição para Hollywood?
Basicamente, o resultado de Amores Brutos levou a 21 Gramas e, agora, Babel. Sei que sou um privilegiado. Um projeto como este tem uma alta possibilidade de fracasso, mas o estúdio resolveu bancar. Acho que ser diretor de cinema é como ser toureiro: não é uma profissão, é uma atitude. Mas também acho que meu cinema é nômade. Não sei o que faz um filme ter esta ou aquela nacionalidade.
Alguns diretores latino-americanos estão dirigindo filmes relevantes em Hollywood, com alto orçamento. O senhor enxerga alguma semelhança entre eles?
Curiosamente, Alfonso Cuarón, Guillermo Del Toro e eu estamos lançando filmes agora, no segundo semestre de 2006. E são filmes que coincidem tematicamente, tratando de terrorismo, militarismo e violência. Os temas do século XXI. Só que Del Toro [que lança El Labirinto del Fauno, também presente no Festival do Rio] fala do passado, eu falo do presente e Cuarón [com Filhos da Esperança, que estréia em breve] fala do futuro. Esta semelhança já foi apontada em artigos, uma trilogia não planejada. Ficamos muito contentes com a coincidência.
Como o senhor conseguiu manter suas características autorais trabalhando para o cinema americano?
Walter Salles, Fernando Meirelles, Cuarón, Del Toro e eu somos privilegiados. Fazemos um cinema nômade, sem nacionalidade ou bandeira. Podemos rodar em qualquer lugar do mundo. Eu tenho a mesma liberdade que tinha no cinema mexicano. Se o filme sai uma merda, a culpa é minha, porque fui eu que decidi tudo. O cinema latino passa por uma ótima fase. Há uma certa voz de urgência em seus realizadores.
O senhor continuará trabalhando com o roteirista Guillermo Arriaga após a trilogia?
Minha parceira com Guillermo foi muito boa e intensa, durou nove anos. Mas agora ele está produzindo um filme e quer dirigir. Eu não sei o que vou fazer. Estou trabalhando em vários projetos, mas sei qual será prioridade. Ou melhor, sei: quero tocar meu projeto mais difícil, que é não fazer nada.
Há quanto tempo o senhor mora nos Estados Unidos? E o que o senhor acha das políticas de imigração do país?
Acho que os EUA usam o terrorismo como desculpa para se fechar. Intolerância já é um termo suave para definir suas políticas. São um país que se orgulha de ter derrubado o muro de Berlim, mas agora constroem o maior muro do mundo em torno de si mesmo.
Publicado no Sobrecarga em 27/09/06.
Cara bacana. E com conteúdo.
quarta-feira, 27 de setembro de 2006
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