quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Capote

Seymour Hoffman

Philip Seymour Hoffman é um operário que trabalha pelas beiradas. Escolado em teatro – formado pela NYU, dois prêmios Tony na estante -, tem história como personagem de apoio em Hollywood.

Impulsionado pelo diretor Paul Thomas Anderson (Magnólia), que o coloca em todos os seus filmes, chama a atenção dos mais atentos por fazer – bem – diferentes tipos. Travesti e legendário crítico musical são algumas encarnações do ator. Porém, parece que Hoffman cansou de ter seu nome aparecendo em terceiro ou quarto nos créditos. Tornou-se produtor, escolheu um papel na medida para prêmios e é o rei da cocada preta em Capote.

O filme é um drama “meio” biográfico e o ator vive um personagem real. Bons pré-requisitos para um Oscar – e os Bafta e Globo de Ouro de Melhor Ator corroboram. A produção é um recorte da vida de Truman Capote, um dos maiores escritores americanos, enquanto prepara sua obra máxima, A Sangue-Frio.

Ao passar cinco anos esmiuçando um crime brutal, porém não exatamente relevante, Capote criou o romance de não-ficção, gênero literário inovador que entraria no pacote do Novo Jornalismo de Gay Talese, Tom Wolfe e outros.

Em belos planos de trigais, Capote mostra o requintado jornalista habitante de Nova Iorque – mas nascido no Alabama – indo ao interior do Kansas, onde a família Clutter foi assassinada. A idéia inicial é apresentar como o crime abalou a comunidade, mas quando os assassinos são capturados, Truman Capote passa a dedicar-se quase que exclusivamente a eles. Mais exatamente, a Perry Smith (Clifton Collins Jr.), com quem desenvolve uma relação de identificação e atração. Smith é sua contraparte toda errada. Na definição do filme, é como tivessem sido criados na mesma casa, só que Capote saiu pela porta da frente, e Smith, pelos fundos.

Capote acerta por não ser uma biografia, mas a história de uma pesquisa. E por mostrar como o processo consumiu o escritor – que nunca mais terminou um livro e morreu em decorrência do alcoolismo, em 1984 – e como ele mandou a ética às favas para sorver tudo o que precisava. Catherine Keener ganhou a indicação para Atriz Coadjuvante, mas, honestamente, não mostra trabalho para tanto. Talvez seja o carisma de sua personagem, Harper Lee, que auxiliou na pesquisa de Capote e escreveu O Sol É para Todos, livro adorado por muitos.

A atuação de Hoffman é um diferencial, principalmente pela pesquisa e o grau de “entrega” do ator. Quando não estava gravando, Hoffman mantinha a voz afinada e os trejeitos que desenvolvera para o personagem. Tem também a ajuda do roteiro, adaptado da biografia escrita por Gerald Clarke. Sua primeira aparição – como centro das atenções em uma festa – é bem definidora. Mas, na segunda metade do filme, recua um pouco para que Collins Jr. possa fazer um bom trabalho como Smith. Hoffman sabe a importância de um ator coadjuvante; já esteve lá muitas vezes.

Publicado originalmente no Sobrecarga em 23/02/06

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