sábado, 25 de fevereiro de 2006

Una Ballata del Mare Salato

Para quem nunca leu Corto Maltese, mas tem alguma noção da relevância do personagem, parece muito estranho – e genial – a maneira com que Hugo Pratt o apresenta: nada de embate heróico ou salvamento da pátria. Corto chega boiando em um pedaço de madeira, amarrado após um motim no seu barco. Era mais ou menos assim que os fãs do marinheiro estavam se sentindo no Brasil: à deriva.

A Balada do Mar Salgado é a primeira aventura de Corto Maltese. É também o primeiro álbum que a bem-vinda Pixel Media lança para singrar no mercado brasileiro de quadrinhos. Chegaram com banca: além da bela escolha para a estréia, prometeram acabamento de luxo, preços honestos e um tratamento diferenciado ao leitor brasileiro de quadrinhos, que já foi muito esculachado.

Sem papo de pescador: A Balada... - que já tinha saído por aqui no longínquo 1983, pela LP&M - tem toda a pompa necessária. Formato igual aos originais europeus – até na Itália já lançaram versões reduzidas, para baratear –, impressão clara, papel brilhoso de qualidade e dois artigos, bem semelhantes, onde ficamos sabendo que Corto já ganhou biografia em romance, que Pratt vem da mesma cidade que Fellini e que Hector Babenco já pensou em levar o personagem para o cinema.

No melhor estilo “meninos, eu vi”, o grande diferencial de Pratt é a representação dos cenários, que conheceu pessoalmente, e complementava com pesquisas. Nutria uma simpatia especial pelo Pacífico Sul, local que escolheu para inaugurar Corto Maltese. As práticas e culturas dos povos estão ali, bem como a arquitetura, as embarcações e os tipos humanos. Uma verdadeira viagem, no sentido clássico do termo. Um National Geographic sem ser enfadonho.

Pratt faz as diversas luzes do dia no preto-e-branco chapado do nanquim – coisa de quem já ficou muito ao ar livre e entende bastante de lápis. A diagramação das páginas é bem regular – salvo um boca-a-boca inventivo no final do álbum – mas o autor alterna super-closes com imagens distantes – principalmente nas ações passadas no convés. Seu traço, que explora as texturas – os transados de palha típicos–, ficaria ainda melhor depois.

A trama é um tanto quanto irregular; parece que você pegou o barco andando. Os personagens são meio jogados, para serem descobertos ao longo do álbum (ou não). Há algumas coincidências demais, compensadas pela amplitude de assuntos tratados – que vão desde detalhes técnicos sobre pirogas até a geopolítica da época e autodeterminação dos povos polinésios. E Corto Maltese parece aquele seu novo grande amigo: bacana, e que vai demonstrando sua complexidade ao longo do tempo.

Se Una Ballata del Mare Salato - no título original – ganha quatro raios, a Pixel fica com cinco por entrar tão bem em um mercado que, aos trancos, vai amadurecendo (compare a quantidade de lançamentos de hoje com cinco anos atrás). E, na concorrência com outras editoras que já vêm fazendo um trabalho legal, quem fica na maré mansa é o leitor.

A Balada do Mar Salgado tem 180 páginas e preço sugerido de R$ 33. Um preview pode ser baixado no site da Pixel.

Publicado originalmente no Sobrecarga em 23/02/06.

Mal posso esperar pelos próximos álbuns. Corto Maltese é um prazer.

Na pesquisa, esbarrei com esta boa crítica do UHQ, da edição antiga do mesmo álbum. Capa horrenda. E, olha só, Ed Motta compôs uma Balada do Mar Salgado para o Dwtza, um de seus discos esquisitões. Não gostei. Não acho que traduza o clima da história. Tire as suas conclusões na Rádio UOL.

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