segunda-feira, 27 de março de 2006

E. R.

15h13 – Em um ataque do meu time, Jesus – o melhor repórter de rádio com nome bíblico da Tijuca – chega junto na marcação. O jogo está 4x4, e no computo total de partidas está 2x2. Era o tie-brake, e aquela a chance de fazer a jogada da semana. Tento dribla-lo, mas, em uma pedalada falsa, piso na bola literalmente. Caio com todo o peso do meu corpo sobre o pé esquerdo, e urro de dor. Não há mais condições. Fim de jogo. Time do Weiler vence por W.O. Jesus não teve culpa alguma. Não desta vez.

17h53 – O América vai tomando, justamente, um 3x1 do Americano. E a dor do meu pé só aumenta, junto ao tamanho dele. Hora de ir ao hospital.

18h35 – Emergência do Copa D’or. O menino do meu lado olha curioso. Crianças choram na pediatria. Um gordinho reclama dos rins. E Faustão anuncia o emocionante reencontro do único sobrevivente de Falcão com o MV Bill. A Globo começa a defenestrar todo o bom trabalho feito no domingo anterior.

18h42 – Um médico de ascendência turca me atende. O sobrenome e o nariz não negam. Confirma que não deve ter fissurado nada, mas manda tirar uma chapa por desencargo de consciência.

19h – Sala de Aclimatação, ou algo semelhante. Anderson, o rapaz da minha frente, também está com o pé inchado após jogar bola. Com o cachorro. Eu, pelo menos, enfrento humanos. Michele está com seu belo rosto cortado. O médico a chama para tomar a antitetânica. Ela faz a cara de dor por antecipação e sai. Sem opção, olho para a LCD acima da minha cabeça. Faustão está bajulando o sobrevivente do Falcão, este abraçado ao MV Bill. O secretário de alguma coisa do Estado do Rio diz que o maior culpado nesta situação é o usuário. Faustão manda a sua equipe devassar a vida do rapaz. Sua irmã aparece na tela. O rapaz começa a chorar. MV Bill começa a chorar. Não sei como eu não chorei.

19h12 – Entra uma senhora chorando, amparada por uma enfermeira. A enfermeira começa a orar, dizendo que os médicos farão o possível, e que o impossível fica para Jesus. Começa a orar em voz alta. Respeito a dor da senhora – até porque desconheço a razão – mas aquele é um hospital particular e laico. Eu pago para não ter que ouvir oração. Volto-me à TV. Faustão anuncia que o rapaz será aconselhado por “um patrimônio da cultura nacional, um verdadeiro cidadão brasileiro: Caetano Veloso”. Enfermeira, não tem cloreto de potássio dando sopa por aí, não?

19h25 – Caetano não está mais no vídeo. Faustão passa um trecho de Falcão, em que o rapaz, com tarja preta no rosto, diz sonhar um dia ser palhaço. Beto Carreira surge, oferecendo vaga no seu circo para o rapaz. Marcos Frota também liga, com o mesmo intuito. Faustão diz que o rapaz será, um dia, o maior palhaço do Brasil.

Pode ser. Mas quem foi o maior palhaço do Brasil naquela tarde foi MV Bill. Após a lição do domingo anterior, em que tinha mostrado como usar o poder de penetração da Globo em prol de sua causa, se curva ao sensacionalismo e o sentimentalismo barato do Faustão.

Eu sou chamado para a sala de raios-X. Faustão anuncia a final de A Dança dos Famosos, com Oscar Schimidt e Alexandre Pires entre os jurados. Quem sabe um dia MV Bill não integrará a banca?

Em tempo: luxação do tornozelo esquerdo. Sete dias de molho com tala de gesso.

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